Estesia

Percepção sensação impressão expressão... Somos um pequeno grupo de amigos empenhados em reagir a alguns estímulos; a idéia é registrar uma reação como um flash despretensioso, registro provisório do que, provavelmente, não chegará a conhecer forma mais consistente ou duradora. Um amontoado de esboços que nunca verão arte-final.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O futebol e a leitura tática do torcedor

Toda vez que chego num estádio de futebol percebo os milhões de treinadores espalhados pelo Brasil. Como corinthiano, recentemente, vejo a torcida nas arquibancadas xingando o Tite em cada substituição ou quando os adversários resolvem se impor no campo de defesa corinthiano.

Creio que a maioria tenha seus motivos pra xingar o treinador alvinegro, afinal, há jogos e momentos de jogos em que o time parece apático, lento e parece aceitar a pressão adversária. Mas também creio que a maioria dos torcedores seriam incapazes de entender a tática presente no jogo, como algo dinâmico, que se modifica com o passar do cronômetro e de adversário para adversário. Também creio que sejam incapazes de perceber fatores ocasionais, imprevistos, ou o papel do acaso, já chamado por Nélson Rodrigues de “Sobrenatural de Almeida”.


Quando sento no tobogã, no Pacaembu, costumo prestar atenção nestes eventos, já que a distância da bateria das organizadas me impede de acompanhar irracionalmente os gritos e cânticos que me são muito mais importantes, naqueles 90 minutos, que qualquer outro papel desempenhado pela torcida. Afinal, o que, na condição de torcedor posso fazer a não ser incentivar? Algo que aprendi ainda moleque e que me faz ver o futebol com olhos menos extremistas e profundamente apaixonado. Acho ainda, em concordância com o professor Wisnik, em seu brilhante ensaio Veneno Remédio, da Cia das Letras, lançado em 2006, que a maioria dos torcedores/cometaristas é viciado nos elementos externos do jogo, mas entende pouco ou faz pouco esforço em entender as quatro linhas. Tarefa essa dura, árdua e que exige um olhar metódico e apurado, diante de tantas variáveis. Analisar o futebol passa por um conhecimento empírico, mas também teórico, que se aproximaria da ciência, ou no limite, da análise estética, artística.

Vou citar um caso, para tornar minha argumentação mais clara. Num Corinthians e Botafogo, no Pacaembu, o Corinthians jogou muito mal. Tomou dois gols no primeiro tempo e o Botafogo recuado, garantiu o placar. O Corinthians teve 70 minutos para conseguir o empate, mas não o fez por merecer. Pra mim por dois motivos: tomou dois gols logo após a substituição de Fabio Santos, e o lateral substituto Ramon, tomou duas bolas nas costas, porque mal posicionado. Não diria que é culpa do treinador um lateral se posicionar mal. Mas também, não diria que a culpa é individual, porque entrar em uma partida, exige tempo para que a compreenda, sinta os lances, a dinâmica específica que se dá naquele momento. É natural que entre perdido.

Segundo ponto tem a ver com a baixa competência de Tite, para modificar o time em circunstâncias específicas de jogo. Caio Júnior recuou os volantes que ganhavam todo o rebote no campo de ataque corinthiano, o que ocasionou seguidos contra-ataques, até sair os dois gols. Numa escorregada do lateral corinthiano (acaso) saiu o primeiro gol dos cariocas. O problema seria corrigido mais facilmente recuando dois atacantes, dos três que estavam em campo. O Botafogo minou a principal arma do time alvinegro: marcação sob pressão nos minutos iniciais das partidas, com Ralf e Paulinho, quando se joga em casa. Ou seja, Tite não conseguiu combater uma intervenção tática do treinador adversário. Mas se estou certo, e tenho dúvidas, vi isso há léguas de distância, no ponto mais alto, em que toda a movimentação se desenha: plano vertical. No plano horizontal, do treinador, além do calor das emoções, tal análise se torna mais difícil.

No segundo tempo, Tite inverteu Alessandro com Ramon. O que supriu a marcação naquele setor, e que impôs a expulsão do lateral (excelente lateral) Cortez. Mas não foi o suficiente para mudar a partida, já que com 8 jogadores atrás da linha da bola, somente jogadas individuais e de habilidade seriam eficientes. O que não é a característica do Time de Tite.

Na próxima postagem, pretendo falar sobre Corinthians e Avaí e na seguinte sobre Corinthians e Atl. Paranaense. Dois jogos em que prestei a atenção nas movimentações táticas das equipes.



sábado, 12 de novembro de 2011

De onde vêm as lendas de Redação, parte 4 – Terra sem lei (ou: aplausos para o Hino Nacional)



Neste último post (por enquanto!) dedicado às lendas da Redação, vou falar um pouco sobre minhas teorias que tentam explicar por que essa matéria é terreno tão fértil para afirmações descabidas.

Nos posts anteriores, eu comentei que as regras dos vestibulares e concursos sérios têm uma razão de ser. Não faz sentido acreditar que uma prova de redação sempre vai ser decidida pela sorte ou pela subjetividade do corretor, nem que os critérios para pontuar os textos são escolhidos para confundir os candidatos. A verdade é que as provas sérias, como Unicamp, Fuvest e Unesp, normalmente vão premiar os candidatos que têm melhor domínio da leitura e da escrita.

Há uma série de mecanismos para garantir essa lisura no processo. Um método usado por bancas corretoras, e que muitos críticos da redação no vestibular desconhecem, é a presença de dois corretores por redação (sendo que um não conhece a nota dada pelo outro). Assim, se um deles der uma nota alta devido a alguma razão subjetiva, o outro provavelmente dará uma nota mais próxima da merecida. Se houver uma discrepância maior que a tolerável, o texto irá para um terceiro corretor, normalmente alguém mais experiente, que corrigirá a redação novamente. Outras características que diminuem a subjetividade na correção de redações de vestibular são a presença de critérios claros e o treinamento dos corretores. É perfeitamente possível, dessa forma, organizar uma prova de redação que não dependa do acaso.

Se isso é verdade, então por que tantos estudantes acreditam no contrário, ou seja, que uma redação boa é aquela que agrada à subjetividade de um corretor, e que há regras secretas que levam um texto a ser bem avaliado?

A triste resposta: porque isso TAMBÉM é verdade.

Confuso? Deixe-me explicar melhor: a maioria das pessoas não conhece em detalhes como as provas de vestibular, concurso ou ENEM são elaboradas. Durante toda a sua vida de estudante, o que elas conhecem é o que vêem na escola. E, infelizmente, o que foi dito aqui sobre a precisão na correção de textos não se aplica à imensa maioria das escolas. E nem sempre é por falta de vontade.

Para entender isso, vamos lembrar que a correção de redações é algo caro e difícil de fazer. É muito mais fácil para um professor corrigir provas em formato de teste do que analisar as redações de seus alunos; e é ainda mais trabalhoso dar um retorno aos estudantes, escrevendo comentários em cada texto para explicar os motivos da nota e o que fazer para melhorar nas próximas redações. Ter dois corretores por texto, então, é virtualmente impossível: isso dobraria os custos e aumentaria consideravelmente o tempo despendido na correção. Sendo assim, não é de causar espanto o fato de que a maioria das escolas, públicas e particulares, adote um sistema de correção de redações em que a subjetividade tem um peso desproporcional.

Se a correção nos vestibulares sérios é objetiva, mas o julgamento das redações nos 12 anos de escola é subjetivo, qual será a impressão que ficará marcada nos estudantes?

A própria essência da disciplina de Redação dificulta o trabalho do professor: não há, como em matemática, fontes seguras para determinar o que é certo e o que é errado em um texto. As ‘regras’, por assim dizer, estão em constante mudança. Essa situação de incerteza leva bons professores a se manterem em permanente atualização, mas é uma desculpa perfeita para que professores mal preparados criem suas próprias regras e as imponham a seus alunos. E a universidade não ajuda muito nesse sentido. Na maioria dos cursos de Letras, o tempo dedicado a preparar os estudantes para o ensino de Redação é ínfimo. No fim, depende do próprio licenciado completar seus estudos, formar suas próprias teorias e testá-las na prática (se algum professor de Redação está lendo isso, por favor escreva para mim contando sua experiência).

Um exemplo: se um matemático afirmar que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 210 graus, fica fácil mostrar que isso não é verdade. Se um professor de História disser que Napoleão se aliou a Genghis Khan para invadir a Guatemala em 1827, qualquer aluno com um pouco de conhecimento vai perguntar de onde seu professor tirou essa informação, que contradiz todo o conhecimento à disposição.

Mas, no caso da Redação, ocorre um fenômeno muito curioso: normalmente, a prova de que uma afirmação é verdadeira está no julgamento da própria pessoa que fez a afirmação. Em termos mais práticos: se um professor de Redação afirma que um texto dissertativo precisa ter três parágrafos, esse mesmo professor pode fazer sua afirmação se tornar verdadeira: basta levar esse critério em conta quando for corrigir as redações. Os alunos verão que escrever quatro parágrafos faz com que a nota seja baixa e passarão a aceitar a ‘regra’ mencionada pelo professor como verdade. Mais tarde, quando estiverem se preparando para uma prova de vestibular, muitos desses alunos ficarão chocados ao descobrir que um texto dissertativo não precisa ter exatamente três parágrafos. E, infelizmente, boa parte deles vai tomar isso como prova de que a Redação é uma terra sem lei e que, portanto, não vale a pena estudar e praticar. Some-se a isso o fato de que as pessoas, especialmente pré-vestibulandos, em geral querem regras e, quando mais absolutas, melhor. Parece mais fácil se passar por um bom professor quando se diz “sempre faça isso, nunca faça aquilo” do que quando se diz “há ocasiões em que é melhor fazer isso ou aquilo, mas você vai ter que ler muito e escrever muito para conseguir julgar por conta própria”.

Não quero dizer aqui que eu tenho todas as respostas verdadeiras e propor uma solução definitiva para os problemas do ensino de Redação. Mas um bom primeiro passo seria que os professores e alunos dessa matéria passassem a se questionar mais sobre os motivos por trás das regras, ao invés de aceitá-las passivamente. A atitude questionadora (não de combate, veja bem, mas de curiosidade honesta) não apenas serve para tirar alguns tabus do caminho, mas também é uma característica comum entre as pessoas que escrevem bem.

P.S. e explicação do título: Certa vez, eu estava assistindo a um jogo do Corinthians em um bar e foi tocado o Hino Nacional no estádio. Alguém em uma mesa ao lado comentou que não era permitido aplaudir após o hino, mas que o povo era muito ignorante e aplaudia mesmo assim. Um dos integrantes do grupo (vamos chamá-lo de “Zé”) perguntou, em tom contrariado: “por que não pode aplaudir depois do hino?”. Aparentemente, ninguém sabia, e ninguém conseguiu imaginar uma razão minimamente plausível. O máximo que disseram foi “por respeito”. Ele não pareceu satisfeito (eu também não vejo por que o aplauso seria considerado desrespeitoso), e disse que achava que o Hino Nacional podia, sim, ser aplaudido (isso tudo foi enquanto o hino era tocado, o que levanta outra questão: conversar durante o hino é permitido?). As pessoas disseram ter certeza de que não podia aplaudir: “a professora disse”, “alguém falou, mas não lembro quem...”; no final, os torcedores no estádio aplaudiram e o Zé concluiu que tinha razão: “Estão vendo? Pode aplaudir sim. Prova disso é que eles aplaudiram e não aconteceu nada com eles!”. Fui obrigado a concordar, e mais tarde descobri que existe mais gente com a mesma opinião: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/devese-ou-nao-aplaudir-o-hino-nacional. Fico me perguntando se os amigos do Zé não seriam justamente as pessoas que espalham lendas de Redação por aí e dificultam meu trabalho...

Até a próxima.

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De onde vêm as lendas de Redação, parte 3 – Perguntas comuns, respostas nem tanto


No post anterior, eu falei que as duas dicas realmente importantes para escrever bem são pratique a escrita e planeje seu texto; neste, vou comentar algumas das perguntas e dicas mais encontradas pelas ferramentas de busca da internet e mais repetidas nos corredores de escolas. Se eu me esquecer de alguma, sinta-se à vontade para postá-la nos comentários.

Em primeiro lugar, porém, três princípios gerais sobre dicas de redação:

- cada gênero ou tipo de texto tem suas próprias regras: normalmente, quando uma pessoa pergunta sobre como fazer uma redação, está pensando em dissertação. Embora esse tipo de texto seja realmente o mais pedido em provas e concursos, não podemos assumir que é o único existente. Por isso, é sempre bom explicitar sobre que gênero ou tipo de texto você está falando quando for tirar suas dúvidas. O que funciona em uma carta argumentativa pode ser motivo para anular uma dissertação, por exemplo.

- cada prova ou vestibular tem seus critérios de correção: é bastante comum que, quando questionadas sobre a qualidade de um texto, as pessoas julguem em primeiro lugar a correção gramatical. Porém, muitos vestibulares dão uma importância elevada a outras características da redação, como a profundidade das ideias, o cumprimento da tarefa pedida e o uso da coletânea. Isso não significa que você deve descuidar da gramática, mas que há outros elementos, às vezes mais importantes, que precisam ser trabalhados. Saiba também que os vestibulares e concursos sérios, em sua imensa maioria, dão pouca importância a detalhes como colocar o título centralizado ou pular ou não linhas após um cabeçalho.

- as regras seguidas por provas sérias têm sua razão de ser: existem motivos lógicos para, por exemplo, não usar a expressão “venho por meio desta” no início de uma carta argumentativa ou evitar a argumentação pessoal em uma dissertação. Se alguém disser a você que algum recurso deve (ou não) ser usado em redações, sinta-se livre para pedir à pessoa para explicar os motivos. Se ela disser apenas ‘ouvi falar’, desconfie. Prefira sempre seguir as opiniões de quem sabe argumentar sobre as regras que defende.

A partir de agora, e com base nos princípios acima, vamos analisar algumas das dicas e perguntas mais recorrentes:

1 – “Tem que pôr título?”

O título é válido para alguns gêneros de texto e não para outros. Uma notícia, por exemplo, deve ter título, enquanto uma carta não deve. Mas, na maioria dos casos, a dúvida se dá em relação a dissertações. Nesse caso, vale a regra sobre os critérios de correção de cada prova ou vestibular. O ENEM, por exemplo, não exige título, ao contrário do que muitos dizem. O mesmo vale para a Fuvest e a Unesp. Alguns temas dentro dessas provas, no entanto, já exigiram o título. Por isso, é muito importante ler com atenção as instruções da prova que você está fazendo no momento. Não tente escrever a redação antes de sair de casa.

Se o título não é obrigatório, isso quer dizer que é melhor não colocá-lo, para não correr risco de ser incoerente? A verdade é que essa lógica (não escrever é melhor que escrever mal) vale para cada linha da redação. Dessa forma, se você segui-la à risca, vai acabar com uma redação em branco. O título, embora não obrigatório, pode ajudar o texto e dar uma impressão de organização e unidade, especialmente se você seguir a regra de planejar seu texto e deixar para decidir o título apenas depois de escrever o texto inteiro, lê-lo e verificar qual título seria mais coerente com ele. Também sugiro que, durante sua prática de redação, você não deixe de colocar título em nenhum texto dissertativo, para treinar esse elemento.

2 – “É verdade que não se pode falar mal do governo em redações de Universidades públicas, já que o governo é responsável pela correção?”

Essa lenda não faz sentido algum. Em primeiro lugar, as redações não são corrigidas pelo governo e sim por profissionais contratados pelas universidades ou instituições que organizam as provas. Portanto, se houver uma crítica válida ao governo a ser feita, não faz sentido deixar de fazê-la por medo de represálias. Ao mesmo tempo, lembre-se de que falar mal do governo não é sinônimo de maturidade nem de criticidade. O mais importante é que as críticas, se necessárias, sejam pertinentes e, sempre que possível, sustentadas por fatos e argumentos.

3 – “Começar um texto dissertativo com ‘atualmente’ ou sua conclusão com ‘portanto’ tira pontos?”

O que ocorreu aqui foi uma inversão das fórmulas: como muitas pessoas foram, durante anos, orientadas a usar esses termos em seus textos, eles se tornaram muito comuns. E como muitos usavam essas e outras estruturas formulaicas sem pensar sobre as especificidades de cada tema, gênero ou tipo de texto, os resultados normalmente eram ruins. Então, dada a dificuldade de analisar o verdadeiro conteúdo das redações, tornou-se um padrão dizer que o uso de termos muito ‘batidos’ é a causa da baixa qualidade dos textos. Em outras palavras: se a maioria das pessoas escreve ‘atualmente’ no início do texto e tem uma nota ruim, concluo que escrever ‘atualmente’ é algo penalizado.

A verdade é que sugerir a abolição, nas redações, de palavras perfeitamente válidas da língua portuguesa é a estratégia usada por pessoas que não sabem muito bem do que estão falando. Um texto pode ser excelente mesmo se começar com a palavra ‘atualmente’, em especial se o uso dessa palavra foi escolhido pelo autor porque ele queria falar sobre um fato da atualidade. Além disso, é óbvio (ou deve ser, se pensarmos um pouco) que a escolha da primeira palavra do texto não é o que vai determinar a sua nota final.

Se suas ideias são boas e você planejou bem o seu texto dissertativo, não é começá-lo com o termo ‘atualmente’ que vai diminuir sua nota. Mas, se suas ideias não foram bem ponderadas e amadurecidas, uma introdução escrita pelo Machado de Assis também não vai salvar sua nota.

A dúvida sobre as palavras ‘atualmente’ e ‘portanto’ é específica de dissertações. No entanto, vários gêneros textuais seguem estruturas mais ou menos rígidas. Em uma notícia, por exemplo, é padrão iniciar com o lide; em uma carta, o uso do cabeçalho tende a mostrar ao corretor uma compreensão das características do gênero. Falarei mais sobre gêneros variados no futuro. Por enquanto, fica a dica: conheça as características do gênero ou tipo de texto que você está escrevendo.

4 – “É verdade que eu não posso dar minha opinião em uma dissertação? Usar expressões como ‘eu acho’ e ‘eu acredito’ prejudica a nota?”

Uma dissertação argumentativa, o gênero mais cobrado em concursos e vestibulares, é um texto que busca argumentar sobre uma tese (opinião), de modo a convencer um público universal de sua validade. Uma das características do texto dissertativo é a impessoalidade: para atingir um público mais geral, um recurso válido é justamente o autor não se colocar individualmente no texto. Observe que em muitos editoriais (um gênero muito próximo da dissertação) de jornais como a Folha de SP, as afirmações são feitas como se fossem verdades absolutas e não a visão particular do autor do texto. Então, a resposta mais correta à pergunta seria a seguinte: você deve colocar sua opinião, mas não no formato de opinião. Ao invés de escrever “eu acho que a educação deveria receber mais investimentos”, escreva “a educação deveria receber mais investimentos”. A opinião é exatamente a mesma, mas a forma é mais adequada ao gênero dissertação argumentativa.

Isso quer dizer que o uso da primeira pessoa do singular (“eu”) leva à anulação do texto? Nem sempre. Há dissertações da Unicamp, por exemplo, que usaram pontualmente a 1ª pessoa do singular e não apenas não foram anuladas como ainda se tornaram exemplos de textos acima da média (não acredita? Confira o terceiro parágrafo do texto “Brasil: gigante hipertenso com problemas na circulação” na página da Comvest: http://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/2007/download/comentadas/1fase.pdf)

O mais importante, para respeitar o gênero dissertação argumentativa, é que o uso da 1ª pessoa do singular não leve à argumentação pessoal. Não é um problema grave escrever “acredito que, devido à impossibilidade de determinar a identidade racial de uma pessoa, as cotas raciais podem ser desvirtuadas por pessoas desonestas”. Mas é um problema escrever “acho que as cotas raciais são ruins, porque meu vizinho falou que é negro só pra pegar a minha vaga, e ele é mais branco que eu”. O problema aí não está no uso da 1ª pessoa, mas sim no fato de que o argumento que se segue é muito pessoal e talvez não seja convincente para a maioria dos leitores. Uma experiência particular do autor do texto não prova que uma medida deve ser tomada para toda uma sociedade.

Para responder de forma resumida: é mais seguro não usar a 1ª pessoa do singular em uma dissertação, para diminuir a tentação de apresentar argumentos pessoais. Mas, na maioria dos casos, se você deixou escapar um ‘acredito’ na sua dissertação mais recente, isso não o coloca automaticamente fora da disputa.

5 – “É verdade que textos criativos são mais valorizados?”

Não em vestibulares sérios. O motivo para isso é extremamente simples: a criatividade é uma característica quase impossível de julgar com imparcialidade. Dessa forma, se um vestibular valorizasse esse elemento na correção, estaria admitindo ser uma prova de sorte. Afinal, o que um corretor considera criativo depende muito do conhecimento de mundo desse corretor. Imagine, por exemplo, que você leu um texto muito bom em uma coletânea de dissertações e resolveu usar as ideias desse texto no vestibular. Um corretor que conhece a sua fonte iria dar uma nota baixa, enquanto um corretor que a desconhece iria considerar seu texto excelente. Essa situação definitivamente não seria justa.

Por isso, não acredite em lendas como a do vestibulando que teria conseguido nota máxima na USP escrevendo ‘ping, ping, ping... ’ em uma redação sobre a água (em um dos próximos posts, vou listar uma série de redações que supostamente teriam nota máxima devido à criatividade).

O que realmente acontece e que pode levar à impressão de que a criatividade é a chave de uma boa redação é que os textos bem escritos normalmente são diferentes dos textos ruins e, com isso, criam a impressão de que seu autor teve alguma ‘sacada’ genial. Porém, o mais provável é que as ideias que parecem originais e criativas para um leitor pouco experiente sejam ideias comuns para quem lê diariamente. Muitos textos são bons e diferentes da média ao mesmo tempo: mas eles não são bons por serem diferentes e sim diferentes por serem bons. Se você se preocupar não em ser criativo, mas sim em respeitar a proposta e usar ideias maduras e bem planejadas, seu texto vai ficar diferente da maioria pelo simples fato de que a maioria das pessoas não faz isso.

Este post está ficando longo demais, por isso vou parando por aqui, mas prometo voltar ao assunto no futuro. No próximo post, vou explicar minhas hipóteses sobre como algumas características do sistema de ensino acabam propagando as lendas comentadas aqui. Até lá e boas redações.

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De onde vêm as lendas de Redação, parte 2 - A Ilusão do Caminho Fácil (ou: a redação e o nó em gravata)


A internet tornou muito mais simples o processo de aprender a fazer coisas rápidas, mas que poucas pessoas sabem (como fazer nó em gravata ou montar um cubo mágico). Já procurei no Youtube mais de uma vez um vídeo explicando como dar nó em gravata e fui bem sucedido (na verdade, eu faço isso todo ano, no dia da formatura dos meus alunos). Antes da internet, eu teria que procurar alguém que tivesse esse conhecimento. Talvez eu tivesse que telefonar e a pessoa explicaria o que eu deveria fazer para dar o tal nó. Ia ser bem mais complicado. Não sei se as pessoas que tiveram seu nascimento postado no Orkut têm muita noção da diferença que a internet fez para o acesso à informação.

Agora, vamos imaginar o que se passa na cabeça de alguém que, encantado com a facilidade que é aprender a dar nó em gravata pela internet, resolve aplicar o mesmo processo em outras áreas de sua vida. Vamos supor que essa pessoa vai prestar alguma prova, como um vestibular ou o ENEM, e vai ter que fazer uma redação. É natural que ela tenha o impulso de entrar no Google e digitar sua dúvida, acreditando sinceramente que encontrará lá um vídeo de no máximo 10 minutos ou um texto de uma página que dirá tudo o que ela precisa saber. Infelizmente para esse nosso estudante hipotético, não é bem assim que funciona.

De todas as matérias que formam o currículo brasileiro na atualidade, acredito que a redação seja a mais voltada à prática. Aprender a escrever é algo que simplesmente exige que o estudante escreva e reescreva. Posso garantir que é impossível aprender a fazer boas redações sem praticar. E não estou falando aqui de textos literários, mas de redações do tipo exigido em provas e concursos. Portanto, esperar um caminho fácil para aprender a fazer redação, memorizando ‘dicas’ do que fazer e do que evitar, é uma estratégia fadada ao fracasso.

Se não é possível aprender a escrever lendo dicas, como fazer, então? Ótima pergunta, eu ia mesmo entrar nesse assunto. O fato é que as dicas realmente úteis para redação podem ser resumidas em duas: Planeje antes de escrever e também Pratique sua escrita.

A prática pode ser um pouco complicada, mas o que eu sugiro é basicamente é o seguinte: você, estudante interessado em evoluir sua escrita, deve pegar temas de concursos e vestibulares e escrever os textos. Em seguida, procure um profissional da área para corrigir seus textos (pedir à sua mãe para dizer o que achou pode até ser uma alternativa, mas é difícil ela ser muito imparcial...). Se você tem acesso a alguém que possa fazer esse trabalho em sua escola ou cursinho, melhor. Caso contrário, ainda assim vale a pena se esforçar para conseguir um profissional que corrija seus textos. É a única forma de melhorar a escrita. Se estiver se preparando para uma situação determinada (como fazer o vestibular da Unicamp ou o ENEM, por exemplo), procure alguém que conheça os critérios do concurso ou vestibular específico que você pretende prestar. Esse conhecimento específico, que eu vou discutir mais detalhadamente no quarto post desta série, é um diferencial importante.

Sobre o planejamento, podemos comparar a escrita de um texto à construção de uma casa. Talvez, quando perguntado sobre qual é o primeiro passo necessário para construir uma casa, você se sinta tentado a responder “os alicerces” ou “a fundação”. Na verdade, o primeiro passo é a planta. Se alguém tentar construir uma casa sem uma planta, vai gastar muito tempo e muito material, enquanto erra e depois corrige erros completamente evitáveis. O mesmo vale para o processo de escrever um texto. Às vezes, a pressão do tempo nos faz achar que vale a pena começar a escrever a redação o mais rapidamente possível, mesmo sem ter entendido perfeitamente o tema. Ocorre que, quando alguém escreve um texto dessa forma, é muito provável que coloque no papel ideias que não receberam muita reflexão, ou que caia em contradição ou ainda que gaste os primeiros parágrafos do texto ‘enrolando’ e, quando tiver finalmente uma ideia para escrever, a folha já esteja no fim. Talvez você já tenha passado por essa situação: você recebe um tema e começa imediatamente a escrever o rascunho. Quando termina e vai lê-lo, antes de passar a limpo, acaba percebendo que o texto que você produziu é muito ruim e escreve um totalmente diferente na folha final. Podemos dizer que, nesse caso, você escreveu um “não-rascunho”, ou seja, um guia do que não estará na versão final de sua redação.

A solução? Escreva, antes da versão final, antes até mesmo do rascunho, um projeto de texto, que deve conter todas as ideias que estarão presentes no texto final, inclusive a conclusão ou o desfecho, ou seja, o final do texto. Na maioria dos casos, aliás, é melhor começar a planejar o texto imaginando como será o final dele.

Esse projeto não precisa ser perfeito, mas deve ser elaborado de forma clara, para que você consiga entendê-lo muito bem e usá-lo como base para a escrita da redação. E o que deve estar presente no projeto? Isso já depende muito do gênero ou do tipo de texto que você está escrevendo. Falarei mais sobre isso em breve. Por enquanto, lembre-se de que é preciso planejar antes de escrever. Essa regra simples irá ajudar muito mais que todas as listas de dicas que você pode encontrar por aí.

Por enquanto é só. No próximo post, vou comentar com detalhes algumas das lendas de redação mais famosas e explicar exatamente por que elas não fazem sentido. Até lá.

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De onde vêm as lendas da redação?

Resolvi escrever sobre esse assunto enquanto pesquisava na internet sobre a redação do Enem. Notei que muitas pessoas faziam as mesmas perguntas e que as respostas, de forma geral, eram muito vagas, quando não totalmente equivocadas. Enquanto lia diversas listas de dicas com títulos do tipo “como fazer uma redação nota 10” e “os 12 erros mais comuns que acabam com uma redação”, percebi que esse tipo de lista, embora não seja muito útil para orientar um estudante, representa bem a visão que a maioria das pessoas tem sobre a redação. Também comecei a me lembrar das inúmeras vezes em que meus alunos citaram lendas, especialmente sobre redação em vestibulares, que os acompanharam por toda a vida escolar. Questões do tipo:

— é verdade que o tema da redação era “O Relógio”, o cara escreveu “tic-tac, tic-tac, tic-tac” e tirou dez?

— é verdade que se escrever com letra de forma vai zerar a redação?

— pode começar o texto com “atualmente”?

Esse tipo de dúvida sempre me incomodou. Não por causa do aluno, claro, que tem todo direito de perguntar e faz muito bem em esclarecer se o que ouviu falar é verdade. Mas eu me perguntava: “de onde vêm todas essas histórias?”; “por que tanta gente se importa com detalhes sem importância?”. Fiquei pensando nisso durante boa parte da minha carreira docente e cheguei a algumas conclusões, que vou explicar melhor a seguir. Mas, resumidamente, a situação é a seguinte:

1 — escrever boas redações é um processo longo e trabalhoso, mas muitas pessoas querem dicas que ocupem menos de uma página e acreditam que é possível aprender a escrever bem em dez minutos;

2 — o papel aceita qualquer coisa, a internet também: muitas dicas publicadas na internet foram escritas por pessoas que não têm contato com a redação e apenas reproduzem ideias ouvidas 'por aí';

3 — muitos professores abusam da subjetividade: como não há regras bem estabelecidas sobre o que é um bom texto, muitos professores escolhem critérios de correção baseados apenas no seu gosto pessoal e os passam aos alunos como se fossem a verdade absoluta.

Nos próximos posts, vou comentar detalhadamente cada um desses fatores. Até breve.

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Lendas de Redação

Olá a todos. Estou republicando aqui alguns posts do meu blog Tem que pôr Título?, dedicado a Redação. Os primeiros tratam da enorme quantidade de lendas sobre Redação que aparecem por aí, especialmente na internet.

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