Estesia

Percepção sensação impressão expressão... Somos um pequeno grupo de amigos empenhados em reagir a alguns estímulos; a idéia é registrar uma reação como um flash despretensioso, registro provisório do que, provavelmente, não chegará a conhecer forma mais consistente ou duradora. Um amontoado de esboços que nunca verão arte-final.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

intertextualidade




A idéia era, em princípio mencionar a semelhança entre dois belos sonetos: o 1º de Góngora (Luis de Góngora y Argote (Córdoba, 11 de Julho de 1561 - Córdoba, 23 de Maio de 1627) e o outro do nosso baiano Gregório de Matos (Salvador, 23 de dezembro de 1636 — Recife, 26 de novembro de 1695). Daí fui procurar por uma tradução e encontrei duas. No entanto, cada uma me agradava por um motivo (e desagradava por outros). Por isso, resolvi tomar a liberdade de recortar as duas e montar uma terceira. Fica por conta dos leitores escolher dentre uma das três ou criar uma quarta.

Texto 1: original de Luis de Góngora

Mientras por competir con tu cabello
Oro bruñido al sol relumbra en vano,
Mientras con menosprecio en medio el llano
Mira tu blanca frente al lilio bello;

Mientras a cada labio, por cogello,
Siguen más ojos que al clavel temprano,
Y mientras triunfa con desdén lozano
Del luciente cristal tu gentil cuello,

Goza cuello, cabello, labio y frente,
Antes que lo que fue en tu edad dorada
Oro, lilio, clavel, cristal luciente,

No sólo en plata o vïola troncada
Se vuelva, más tú y ello juntamente
En tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada.
 



           
Texto 2: 1ª tradução – Delson Tarlé

Enquanto, a competir com teu cabelo,
 o ouro brunido ao Sol reluz em vão
 e, pálido de inveja, quedo ao chão,
perde-se a contemplar-se o lírio belo,
 
e o rubro de teus lábios deixa em zelo
mais olhos do que o cravo temporão,
e o colo altivo traz um ar loução
como o cristal luzente aspira tê-lo;
 
goza lábios, cabelo, colo albente,
 antes que tudo, em tua idade alada
- ouro, lírio, cristal, cravo rubente -

não só se acabe em prata e flor crestada,
mas tu e a tua vida, juntamente,
 em terra, em fumo, em pó, em sombra, em nada.

Texto 3: 2ª tradução – Anderson Braga Horta

Enquanto por ombrear com teu cabelo
ouro brunido o Sol relumbra insano,
enquanto com desprezo em meio o lhano
mira tua alva fronte ao lírio belo;

enquanto a cada lábio, por colhê-lo,
seguem mais olhos do que ao cravo ufano,
e com desdém triunfa soberano
do cristal claro o colo teu singelo;

goza colo, cabelo, lábio ardente,
antes que o que na idade foi dourada
lírio, cravo, cristal, ouro luzente

não só em prata ou víola truncada
se torne, mas tu e isso juntamente
em terra, em fumo, em poeira, em sombra, em nada

Texto 4: Tradução-Colagem – com base em trabalho alheio


Enquanto, a competir com teu cabelo,
o ouro brunido ao Sol reluz em vão
e, pálido de inveja, quedo ao chão,
perde-se a contemplar-se o lírio belo,

enquanto a cada lábio, por colhê-lo,
seguem mais olhos do que ao cravo ufano,
e com desdém triunfa soberano
do cristal claro o colo teu singelo;

goza colo, cabelo, lábio ardente,
antes que tudo, em tua idade alada
lírio, cravo, cristal, ouro luzente

não só se acabe em prata e flor crestada,
se torne, mas tu e isso juntamente
em terra, em fumo, em pó, em sombra, em nada

obs: embora se perca o esquema de rimas entre os quartetos, o resultado (me parece) mais bonito que nas duas versões 'originais'

texto 5: Texto de Gregório de Matos


À SUA MULHER ANTES DE CASAR

Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Oh, não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada.

 Observe-se que o poema de Gregório de Matos retoma a idéia trabalhada no texto de Gongora. No entanto, faz dela um uso diferente.
Há ainda uma discrepância entre as diferentes edições da obra de Gregório. Em relação à qual os estudiosos encontram desafios, por vezes, insolúveis. Numa das edições o verso diz: “ o tempo trata a toda ligeireza” optei pela edição que diz “o tempo  trota a toda a ligeireza” além da coerência interna com “imprimir em toda flor sua pisada” há um ganho poético pela prosopopéia.

É isso...

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